Nunca pisou na quebrada
ignora os meus na rua
Me subestima nas entrevistas
Não acredita em nossas conquistas
E no final, ainda gourmetiza nossa cultura.
Paga de quebrada só na hora que lhe convém, porque nóis tá ligada que tu só sobe o morro pra gastar seu bic com nossos Beck de 100.
Sem remorso, sem peso na consciência
Pois quando tu é enquadrado na rua,
Tudo é só coincidência
Pois é óbvio, quantidade de maconha permitida, pois você tem…inocência.
Sua carência de vivência me causa demência, pois é causada por aquele caos causado por aquele burguês safado.
Era apenas mais um jovem, branco, rico que seguiu o caminho errado.
Coitado, a família não lhe dava atenção, trabalhava demais escravizando minha avó, meu pai e hoje meus irmãos.
Coitado, o que lhe ajudou foi a empregada que supriu sua carência, mas e a filha dela que ficou sozinha, alguém pensou nas consequências?
Coitado, tá em uma universidade fodida, acredita em meritocracia mas se indigna quando tira uma menor nota que a prounista .
Coitado, coitado? Coitado é o caralho, quero ver ele aguentar nas costas uma estrutura de bosta, onde menor não tem caderno pra ir pra escola. Quero ver ele aguentar nas costas esse sistema educacional, onde professor não é valorizado, os alunos que pagam o pato, não tem uma simples aula de revolução industrial. Quero ver ele aguentar nas costas esse sistema seletista, pois tenho certeza que ele não acreditaria em meritocracia se trabalhasse e estudasse e mesmo assim, o seu nome não aparecesse na lista. Quero ver ele aguentar nas costas a precarização dos trabalhos terceirizados, pois ele não teria sangue frio, pra escolher entre pagar conta de luz, ou fazer compra no mercado. Quero ver ele aguentar nas costas a perda dos meus a cada minuto, pois a cada situação de bala perdida é motivo de luto. Quero ver ele aguentar nas costas esse sistema de opressão, pois se é preto, jovem, periférico, já é apontado como ladrão. Quero ver ele aguentar nas costas passar fome o dia inteiro, pois com o preço da passagem a 4,30, comer mais de uma vez me causa até desespero.
Então se liga em mais uma fita, minha gíria não é modinha, resistência, é afirmação de quebrada, é identidade, é caminho de casa.
Aproveita e pega a visão, deixa a Melissa das mina
Deixa os julliet dos cara
E antes agora o passinho do romano, toma vergonha na cara.
Deixa a Melissa dos cara
Deixa a julliet das mina
O passinho do romano não é cultura da burguesia, é cultura da periferia.
Então para, não destrava, não sarra, para.
Me larga, não lhe pertenço, para.
Não utiliza, não gourmetiza, não precariza, para.
Aproveita e me larga, porque eu, não fiz nada.
Os preto não fez nada.
Rafael Braga não fez nada.
Luana Barbosa não fez nada.
João Vitor não fez nada.
A Babi não fez nada.
Mas essa hora, já morreu mais um na quebrada.
PAH
Disponível em: <https://youtu.be/3c8l8sqR5fw>. Acesso em: 7 out. 2021.