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A Bola

O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola.

O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “legal!”. Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.

— Como é que liga? – Perguntou.

— Como, como é que liga? Não se liga.

O garoto procurou dentro do papel de embrulho.

— Não tem nenhuma instrução?

O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.

— Não precisa manual de instrução.

— O que é que ela faz?

— Ela não faz nada. Você é que faz coisas com ela.

— O quê?

— Controla, chuta…

— Ah, então é uma bola?

— Claro que é uma bola. — Uma bola, bola. Uma bola mesmo.

— Você pensou que fosse o quê?

— Nada, não.

O garotinho agradeceu, disse “Legal! “, de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de um videogame. Algo chamado MONSTER BALL, em que times de monstrinhos disputavam a posse de uma bola em forma de bip eletrônico na tela, ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente.

O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.

O pai pegou a bola nova ensaiou algumas embaixadinhas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto.

— Filho, olha.

O garoto disse “legal”, mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mãos e a cheirou, tentando recuperar mentalmente o cheiro do couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boa ideia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.

Disponível em: https://www.escrevendoofuturo.org.br/caderno_virtual/texto/a-bola/index.html. Acesso em: 31 ago. 2023 (adaptado).

Luis Fernando Veríssimo

Luis Fernando Veríssimo

Com apenas seis anos, Luis Fernando Verissimo ganhava a sua primeira bola. Uma bola de couro tão novinha que ele ainda tem guardado na memória o cheiro. Aos dez, viu o Internacional, seu time do coração, jogar pela primeira vez e, a partir desse momento, nunca mais tirou a camisa do time. Mas o jogo que este gaúcho, nascido em 26 de setembro de 1936, melhor domina é o da escrita. E seus dribles arrancam risadas todos os dias dos leitores de suas crônicas. As primeiras jogadas foram no jornal Zero Hora, com passes pela Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo. A história de O cachorro que jogava na ponta esquerda reforça a crença de Verissimo no futebol de rua, que só tem como regra a ausência de regras.