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As enchentes

As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro inundações desastrosas.

Além da suspensão total do tráfego, com uma prejudicial interrupção das comunicações entre os vários pontos da cidade, essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.

De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes urbanos.

Uma arte tão ousada e quase tão perfeita, como é a engenharia, não deve julgar irresolvível tão simples problema.

O Rio de Janeiro, da Avenida, dos squares, dos freios elétricos, não pode estar à mercê de chuvaradas, mais ou menos violentas, para viver a sua vida integral. Como está acontecendo atualmente, ele é função da chuva. Uma vergonha!

Não sei nada de engenharia, mas, pelo que me dizem os entendidos, o problema não é tão difícil de resolver como parece fazerem constar os engenheiros municipais, procrastinando a solução da questão.

O prefeito Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito do nosso Rio.

Cidade cercada de montanhas e entre montanhas, que recebe violentamente grandes precipitações atmosféricas, o seu principal defeito a vencer era esse acidente das inundações.

Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.

Vida Urbana, 19-1-1995

BARRETO, Lima. As enchentes. Disponível em: <https://cronicabrasileira.org.br/cronicas/14275/as-enchentes>. Acesso em: 18 ago. 2021.

Lima Barreto
Lima Barreto

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881, filho do tipógrafo João Hen riques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos. Seu padrinho era o Visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava liberta, morreu precocemente, quando o filho tinha seis anos. A abolição da escravatura ocorreu em 1888, no dia de seu aniversário de sete anos, mas as marcas desse período, o preconceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira nunca deixaram de ocupar o centro de sua obra literária.
É um dos grandes autores da literatura brasileira. Foi romancista, jornalista, contista e um feroz crítico da vida social do Rio de Janeiro na virada do século XX. Adotou um estilo simples, acessível à maioria dos leitores brasileiros. Muitos consideram o romance Triste fim de Policarpo Quaresma como sua obra prima.
Morreu no Rio de Janeiro, no dia 1º de novembro de 1922, aos 41 anos.