Iracema

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.

O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.

Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.

Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.

ALENCAR, José de. Iracema. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/>. Acesso em: 19 ago. 2021. [Fragmento]

José de Alencar
José de Alencar

Nasceu no dia 1º de maio de 1829 em Fortaleza. Filho de um senador do Império, mudou-se para o Rio de Janeiro aos doze anos. Formado em direito, foi deputado em diversas legislaturas pelo Partido Conservador e chegou a ser ministro da Justiça entre 1868 e 1870. Apesar de atuar também como jornalista, crítico teatral e dramaturgo, sua presença na literatura brasileira é devida, sobretudo, à sua produção como romancista. Norteado por um projeto nacionalista, procurou retraçar a grande saga da formação da nação brasileira através das obras O guarani (1857), Iracema (1865), Ubirajara (1874), As minas de Prata (dois volumes, 1865-6) e A guerra dos mascates (dois volumes, 1871-3); fazer um registro da vida regional com O gaúcho (1870), O tronco do ipê (1871), Til (1871) e O sertanejo (1875); e retratar a vida de seu tempo na corte com os romances urbanos Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da gazela (1870), Senhora (1875) e Encarnação (1877). Morreu no Rio de Janeiro em 1877, aos 48 anos de idade.