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Que inveja dos macacos

Que eles se amavam, ninguém duvidava; era um ardoroso casalzinho de namorados, sempre aos beijos e abraços, sempre trocando segredinhos. Mesmo assim, quando anunciaram que iriam se casar, as famílias não receberam a notícia com muito entusiasmo.

A razão era mais do que óbvia; tratava-se de gente do interior, gente pobre, muito pobre. Por outro lado, tanto o rapaz como a moça estavam desempregados; não tinham, pois, meios de se sustentar. E não poderiam contar com o apoio dos pais. O que, aliás, gerou algumas amargas discussões com os familiares.

Em meio àquela penosa controvérsia, ele, por acaso, leu a notícia sobre o casamento de macacos na Índia, e repetiu-a para a namorada, que não achou muita graça na história e quis mudar de assunto. Mudaram de assunto, mas ele não podia tirar da cabeça o relato sobre o casamento dos macacos.

A coisa que mais lhe chamava a atenção era o fato de que, ao menos aparentemente, os macacos eram mais felizes do que eles: gozavam da simpatia de seus donos, eram homenageados, ganhavam presentes. E isso porque os humanos, pelo menos de acordo com o que ele aprendera na escola, eram mais evoluídos que os símios. Mas de que adiantara a evolução, as premissas do darwinismo, se eles se sentiam tão abandonados e desprezados?

“Eu gostaria que a evolução ocorresse ao contrário”, disse à namorada. E acrescentou: “Gostaria que a gente virasse macaco. Talvez assim encontrássemos gente disposta a nos ajudar no casamento”. Ela sorriu, melancólica e, de novo, não disse nada.

Naquela noite ele teve um sonho. Sonhou que tinha virado macaco. Ali estava, na floresta, pulando de galho em galho, no meio dos outros macacos, alegre e satisfeito.

Acordou impressionado com seu sonho. Que, por sua vontade, de transformaria em realidade. Impossível, naturalmente, mas naquela manhã, ao invés de tomar café, comeu uma banana. O que deixou a mãe surpresa: o rapaz não gostava de banana.

De fato, ele nunca gostara de banana. Mas, por via das dúvidas, talvez fosse melhor ir se acostumando.

SCLIAR, Moacyr. Que inveja dos macacos. In: Folha de S. Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1703200804.htm>. Acesso em: 18 ago. 2021.

Moacyr Scliar
Moacyr Scliar

Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre (RS), em 1937. Formou-se em Medicina em 1962, com especialização em Saúde Pública. Desde 1968, pratica o exercício de escrever ficção, ensaios, crônicas e literatura para jovens, sendo autor de aproximadamente 70 livros. Suas obras já foram traduzidas em mais de 20 países com grande aceitação da crítica. Detentor de vários prêmios concedidos no Brasil e no exterior, foi colunista dos jornais Zero Hora (Porto Alegre) e Folha de S.Paulo. Ocupou a cadeira nº 31 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 27 de fevereiro de 2011.