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Pau de dois bicos

Um Morcego estonteado pousou certa vez no ninho da Coruja, e ali ficaria de dentro se a Coruja ao regressar não investisse contra ele.

— Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha casa, sabendo que odeio a família dos ratos?

— Achas então que sou rato? Não tenho asas e não voo como tu? Rato, eu? Essa é boa!…

A Coruja não sabia discutir e, vencida de tais razões, poupou-lhe a pele.

Dias depois, o finório Morcego planta-se no casebre do Gato-do-mato. O Gato entra, dá com ele e chia de cólera.

— Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha toca, sabendo que detesto as aves?

— E quem te disse que sou ave? – retruca o cínico. – Sou muito bom bicho de pelo, como tu, não vês?

— Mas voas!…

— Voo de mentira, por fingimento…

— Mas tem asas!

— Asas? Que tolice! O que faz a asa são as penas e quem já viu penas em morcego? Sou animal de pelo, dos legítimos, e inimigo das aves como tu. Ave, eu? É boa…

O Gato embasbacou, e o Morcego conseguiu retirar-se dali são e salvo.

Moral da história: O segredo de certos homens está nesta política do morcego. É vermelho? Tome vermelho. É branco? Viva o branco!

LOBATO, Monteiro.

Monteiro Lobato
Monteiro Lobato

Nasceu em 1882 em Taubaté, interior de São Paulo. Estudou direito em São Paulo, mas voltou para o interior aos 22 anos, quando começou a se dedicar à literatura. Porém, sua grande estreia como escritor se deu em 1918, com o lançamento do livro de contos Urupês. Ao longo de toda sua vida, Lobato escreveu e trabalhou com os mais diversos gêneros literários, mas foi na literatura infantil, com os livros do Sítio do Picapau Amarelo, que ele conquistou (e vem conquistando) leitores por todo o Brasil.