Certa vez, um rei convocou os nobres da corte e declarou que era uma vaca. Os nobres ficaram assustados. O soberano disse mais: desejava ser morto e ter sua carne cortada e distribuída ao povo.
Achando que o rei havia enlouquecido, os nobres convocaram os principais médicos do reino. Remédios e unguentos foram experimentados mas, infelizmente, sem nenhum resultado.
Enquanto isso, o monarca piorava. Mugia o dia inteiro. Sujava o chão do palácio. De vez em quando, saía galopando, dando coices e cabeçadas.
Passado um tempo, o rei chamou novamente seus principais nobres e ministros. Parecia contrariado. Esbravejou. Disse que, porque suas ordens não haviam sido cumpridas, a partir daquele dia não ia comer mais nada.
Uma nuvem negra pousou no futuro do reino. O povo, angustiado, acompanhava o drama de seu querido rei, cada vez mais magro, fraco e abatido.
Um dia, um famoso cientista apareceu no reino. Diziam que era um grande médico. Diziam que era um filósofo capaz de lidar com os mais intricados segredos da alma humana.
O sábio foi ao palácio examinar o rei. Deitado na cama, o monarca repetiu ao médico suas alucinações. Mugiu. Confirmou que era uma vaca. Confirmou que seu único desejo era ser morto, cortado e ter sua carne distribuída ao povo.
Coçando a longa barba, o sábio declarou que o rei tinha razão. Ordens reais eram leis que precisavam ser cumpridas imediatamente. Em seguida, abrindo a porta, chamou o açougueiro. Um homem imenso, vestido de branco, entrou no quarto com uma faca na mão.
Perguntou onde estava a tal vaca.
– Estou aqui! – gemeu o soberano, exultante, com os olhos alegres de loucura.
O açougueiro aproximou-se da cama. Levantou, cuidadoso, a perna fina e branca do monarca. Balançou a cabeça, decepcionado. Aquela vaca estava magra demais. De que adiantava matar um animal que era só pele e osso? Cortar o quê? Distribuir o quê?
– Primeiro – aconselhou ele –, é necessário que essa vaca aprenda a se cuidar, a comer, dormir direito e caminhar pelas montanhas, até ficar forte, alegre e cheia e saúde.
Dizendo que só voltaria quando a vaca estivesse no ponto certo, o açougueiro guardou a faca e foi embora.
A partir desse dia, o rei decidiu alimentar-se de novo. Aos poucos, foi engordando, as cores voltaram a brilhar em seu rosto, ficou forte e acabou esquecendo de vez que um dia havia sido vaca.
AZEVEDO, Ricardo. Armazén do Folclore. São Paulo: Ática, 2000.