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A terrível história da perna cabeluda (prenúncios da besta fera)

Santo Deus Onipotente
Venho rogar vossa ajuda
Pra afastar assombração
De todo mal nos acuda
Principal desse fantasma
Que é a Perna Cabeluda.

É um bicho horripilante
Que na noite entra em ação
Tem dois metros de altura
E pula como cancão
No joelho tem um olho
Acesso que nem tição.

O nariz é bem pontudo
Além da boca rasgada
As prezas são dum felino
Língua com a ponta cortada
Tem barbicha que nem bode
Cada unha é envergada.

Faz um barulho medonho
Como chocalho de cobra
E o rangido dos dentes
Da energia que sobra
Limpa o nariz com a língua
Dança fazendo manobra.

Ainda tem no calcanhar
Um afinado esporão
Cuja cor avermelhada
Reluzente a um medalhão
No tornozelo uma gola
Como estivera em prisão.

Na canela tem um chifre
Com uma luz bem na ponta
Uma espécie de lanterna
Pra andar por onde afronta
Fazer vítima onde passa
Que já se perdeu a conta.

Tem enorme cabeleira
No lugar que foi cortado
Que sacode sobre a perna
Girando de lado em lado
De jaguar são as orelhas
E há pelo aveludado.

Pense então na coisa feia
Multiplique o seu pensar
Pois é assim que a coisa
Anda em noite de luar
E também na escuridão
Pra poder se ocultar.

[…]

Muitos contam que a origem
Vem duma história passada
Dum acidente de ônibus
Em região povoada
Pra bandas do Piauí
Curva do “S” chamada.

Dois ônibus da Marimbá
Do Piauí essa empresa
Se chocaram nessa curva
Que foi a maior tristeza
Não escapou um cristão
Só de pensar dá fraqueza.

Uma vítima teve a perna
De seu corpo decepada
Dizem que ela criou vida
Num monstro foi transformada
Na mata ficou vagando
Procurando sua estrada.

Antes de achar caminho
Pra sua nova paragem
Em todo aquela região
Ficou fazendo visagem
Assombrando caçador
E vaqueiro de coragem.

Pois chegou no Ceará
Seguindo um caminhoneiro
Que vinha pra Canindé
Só conduzindo romeiro
Depois foi a Fortaleza
Promover o seu desterro.

A Perna anda descalça
Vagando em noite escura
Tem um rastro muito grande
Que não é de criatura
Dizem até que um sapato
Na cidade ele procura.

[…]

Em noite de lua cheia
Ela fica mais nervosa
Vaga na areia da praia
É muito mais perigosa
A razão é o sofrimento
Da tal vida desastrosa.

Circula todo o Nordeste
Promovendo temporada
Por onde passa o terror
Tem uma história contada
Nunca peça para vê
A Perna mais assombrada.

[…]

Não existe corajoso
Chamado desafiante
Pra enfrentar a essa
Perna Por ter jeito horripilante
Assim vara a madrugada
Cada vez mais triunfante.

E vagando estrada afora
Já provocou acidente
Pois fez carro abalroar
Pondo em risco muita gente
No aeroporto aeronave
Sair do pouso decente.

Da mesma forma já fez
Na lagoa, o pescador
Deixar o peixe na isca
E gritar: Nosso Senhor!
Dai-me força nestas pernas
Pra fugir deste terror.

[…]

Pois rezar é que nos resta
Pra livrarmos da aflição
Mas que haja com firmeza
Santo Deus no coração
Ao contrário nós seremos
Vítimas da tribulação.

VIEIRA, Guaipuan. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/rd000004.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2021. [Fragmento]

Guaipuan Vieira
Guaipuan Vieira

Nasceu em Teresina – Piauí, em 11 de setembro de 1951. Filho do poeta folclorista e indianista Hermes Vieira e de Maria José Sousa Rodrigues. É poeta cordelista, xilógrafo e radialista. É Graduando em História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA. Aos dezesseis anos já improvisava versos, mas fora duramente repreendido pela mãe, pondo fim uma carreira poética. Desde 1976 se dedica à literatura de cordel. Autor de vários folhetos de cordel, alguns premiados e com destaque na imprensa nacional e internacional. Cordéis que focalizam o apocalipse figuram no corpo da tese de doutorado da professora Emmanuelle Delebosse, da Universidade Antilles Guyane, de Martinique, França. Autor de canções gravadas pelos repentistas Antonio Jocélio e Zé Vicente. É correspondente da Revista Derepente e colaborador de jornal. Em 1987 fundou o Centro Cultural dos Cordelistas do Ceará.