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O pai dos males

O sedentarismo é pai de muitos males. A atividade física, ao contrário, é uma espécie de panaceia moderna com indicações comparáveis às poções receitadas para qualquer doença, já no Egito antigo.

A diferença, entretanto, é que os médicos do passado repetiam prescrições baseadas em crenças e princípios equivocados, enquanto acumulamos, nos últimos anos, extensa literatura com evidências claras dos benefícios de manter o corpo em movimento.

O aumento da expectativa de vida ocorrido a partir do início do século passado deslocou a mortalidade geral do campo das doenças infecciosas e parasitárias para as crônico-degenerativas. Hipertensão arterial, diabetes e obesidade tornaram-se as epidemias com maior prevalência até em países de renda mais baixa. No Brasil, transtornos cardiovasculares e câncer ocupam o primeiro e segundo lugar nas estatísticas das causas de morte, respectivamente.

A vida sedentária aumenta o risco de infarto do miocárdio, derrame cerebral, obstruções em artérias periféricas, insuficiência renal crônica, problemas de visão e cardiopatias, entre outras enfermidades. Quando vem associada ao diabetes e à obesidade, os riscos se multiplicam.

Há evidências antropológicas de que o homem das cavernas andaria em média algo como 5 horas diárias. Na vida atual, convencer alguém a andar 30 minutos por dia é luta inglória.

Diversos tipos de câncer são mais frequentes em sedentários. A atividade física regular reduz a probabilidade do aparecimento deles e faz cair a mortalidade dos que passaram a praticar exercícios depois de receber o diagnóstico. Em pacientes operados de câncer de cólon ou de mama, por exemplo, o risco de recidiva chega a diminuir 30%, quando adquirem o hábito de andar 30 a 40 minutos, cinco vezes por semana.

“Na biologia nada faz sentido exceto à luz da evolução”, disse Theodor Dobzhansky, um dos maiores genetecistas do século 20. O corpo que herdamos de nossos antepassados não surgiu ontem; é resultado de um processo de competição e seleção natural com milhões de anos de duração, que eliminou os menos aptos para conseguir alimentos e acesso à reprodução.

Graças a ele, temos pernas, coxas, braços, antebraços, pés e mãos articulados com dobradiças, que nos conferem elasticidade para abaixar, levantar, andar, correr, subir em árvores. Tivesse sido selecionado para a vida que levamos nas cidades, para que as coxas se não vamos andar? Bastariam as pernas. Para que braços, se os antebraços já alcançam o teclado do computador? Na era dos celulares, então, nem eles seriam necessários, as mãos poderiam vir articuladas diretamente nos ombros.

Os hominídeos que mais tarde dariam origem ao Homo sapiens nasceram na África há cerca de 6 milhões de anos. Fomos caçadores-coletores que moravam em cavernas até míseros 10 mil anos atrás, quando o desenvolvimento da agricultura ofereceu as primeiras oportunidades para abandonar a vida nômade.

Há evidências antropológicas de que o homem das cavernas andaria em média algo como 5 horas diárias. Na vida atual, convencer alguém a andar 30 minutos por dia é luta inglória.

Quando aconselho um paciente a fazer exercícios, porque está dez, vinte quilos acima do peso, com glicemia alterada e pressão arterial a caminho da hipertensão, preciso estar disposto a ouvir um rosário de lamentações.

Especialmente no caso das mulheres, de fato, sobrecarregadas pelas tarefas profissionais, domésticas e familiares: “Acordo às seis, preparo o café das crianças. Quando meu marido sai para levá-las à escola, tenho que me arrumar, porque não posso chegar no trabalho de qualquer jeito. Fico o dia inteiro no escritório. No fim do expediente, ainda passo na minha mãe que está com a memória atrapalhada. Chego em casa, sirvo o jantar, vejo a lição dos meninos, dou um pouco de atenção pro meu marido, e já são dez horas, preciso dormir. Como vou achar tempo para fazer exercício?”

No início da profissão, eu ficava condoído com lamúrias como essa. Hoje? Meu coração se transforma em pedra de gelo. Respondo com frieza: é problema seu.

Se você não consegue 30 minutos num dia de 24 horas, para praticar uma atividade fundamental para preservar a saúde e melhorar o funcionamento do seu organismo, está vivendo errado. Deixou de levar em consideração o que existe de mais precioso em sua vida: o corpo, estrutura sem a qual você volta ao nada que existia antes da sua concepção.

Como você vai fazer? Não tenho ideia. Posso sugerir mudar de emprego, colocar a mãe no asilo, separar do marido, internar as crianças na Febem.

VARELLA, Drauzio. Disponível em: <https://drauziovarella.uol.com.br/cancer/o-pai-dos-males/>. Acesso em: 22 ago. 2021.