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Arlequim, servidor de dois amos

ARLEQUIM — Mas essa é boa mesmo! Tanta gente não consegue sequer arranjar um patrão, e eu arranjei dois. Dois patrões, vejam só! Mas como é que vou fazer? Não posso ser o criado dos dois. Não posso? Espere aí; quem foi que disse que não posso? Por acaso, não é um bom negócio ganhar dois ordenados e comer dobrado? É sim, se eles não souberem um do outro. E se descobrirem? Não perco nada: se for despedido por um, fico com o outro. Vale a pena tentar. Ainda que fosse por apenas um dia, vou tentar. Terei feito um bom negócio. Ânimo! Vamos ao correio para ambos! […]

ARLEQUIM — Aqui estou, patrão. […]

FLORINDO — Você foi ao correio?

ARLEQUIM — Sim, senhor.

FLORINDO — Havia cartas para mim?

ARLEQUIM — Havia, sim senhor.

FLORINDO — Onde estão?

ARLEQUIM — Estão aqui, senhor. (Tira do bolso três cartas. À parte) Ai, diabos! Misturei as cartas e não sei ler. Como posso sair dessa?

FLORINDO — Vamos! Dê-me as cartas.

ARLEQUIM — Já, senhor. (À parte) Que confusão! (Para Florindo) É que… senhor, é que… tenho três e não são todas do senhor. Encontrei um amigo meu… Trabalhamos juntos, em Bérgamo, como servidores, e ele, ao saber que eu ia ao correio, me pediu para pegar a correspondência do patrão dele. Acho que havia uma carta… mas já não sei qual é, não consigo reconhecê-la.

FLORINDO — Deixe-me ver… Pegarei as minhas e devolverei a outra.

ARLEQUIM — Estão todas aqui. Pode pegar.

FLORINDO (à parte) — Meu Deus, o que é que estou vendo! Uma carta é para Beatriz Rasponi, aqui, em Veneza!

ARLEQUIM — O senhor já encontrou a carta do meu colega?

FLORINDO — Quem é ele?

ARLEQUIM — Ele é um criado… Ele se chama Pascoal.

FLORINDO — Sim, mas quem é o patrão desse Pascoal?

ARLEQUIM — Eu não sei, senhor.

FLORINDO — Como? Então ele o mandou ao correio para buscar as cartas e não lhe disse o nome do seu amo?

ARLEQUIM — Bem, sim, de fato, ele disse…

FLORINDO — Então, que nome lhe disse?

ARLEQUIM — Não me lembro mais.

FLORINDO — Como?!

[…]

ARLEQUIM (à parte) — Lá estou me vendo feito em dois pedaços.

FLORINDO — Onde mora o Pascoal?

ARLEQUIM — Não sei… Juro!

FLORINDO — Como poderá, então, entregar-lhe a carta se não sabe onde ele mora?

ARLEQUIM — Ele disse que ia me esperar na praça.

FLORINDO (à parte) — Francamente não sei o que pensar.

ARLEQUIM (à parte) — Se conseguir sair desta, será um milagre.

GOLDONI, Carlo. Arlequim, o servidor de dois amos. Disponível em: <https://laracoutouvv20162.files.wordpress.com/2016/07/arlequim-o-servidor-de-dois-amos.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2021. [Fragmento]

Carlo Goldoni
Carlo Goldoni

Carlo Goldoni (Veneza, 25 de fevereiro de 1707 — Paris, 6 de fevereiro de 1793) foi um dramaturgo veneziano. É considerado um dos maiores autores europeus de teatro e um dos escritores italianos mais conhecidos fora da Itália. Provavelmente, suas obras, junto com as de Pirandello, constituem o principal veículo de difusão da arte dramatúrgica italiana através do mundo. Muito conhecido pela difusão da commedia dell’arte.