O Homem Trocado

Pexels enginakyurt 20897580

O homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala de recuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

— Tudo perfeito — diz a enfermeira, sorrindo.

— Eu estava com medo desta operação…

— Por quê? Não havia risco nenhum.

— Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos…

E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, que nunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto o erro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o pai abandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê chinês.

— E o meu nome? Outro engano.

— Seu nome não é Lírio?

— Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e…

Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguira entrar na universidade. O computador se enganara, seu nome não apareceu na lista.

— Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mês passado tive que pagar mais de R$ 3 mil.

— O senhor não faz chamadas interurbanas?

— Eu não tenho telefone!

Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram felizes.

— Por quê?

— Ela me enganava.

Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia intimações para pagar dívidas que não fazia. Até tivera uma breve, louca alegria, quando ouvira o médico dizer:

— O senhor está desenganado.

Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma simples apendicite.

— Se você diz que a operação foi bem…

A enfermeira parou de sorrir.

— Apendicite? — perguntou, hesitante.

— É. A operação era para tirar o apêndice.

— Não era para trocar de sexo?

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Objetiva, 2001.

Lfv

Luis Fernando Verissimo

Nasceu em 1936, em Porto Alegre. É autor de best-sellers como Comédias para se ler na escola, As mentiras que os homens contam e O clube dos anjos, e criador de tipos marcantes como a Velhinha de Taubaté, Ed Mort, O Analista de Bagé e As Cobras. Filho do romancista Erico Verissimo, escreveu diariamente para vários jornais por décadas e tem livros publicados em mais de quinze países. Faleceu em agosto de 2025.