Textos Literários e Figurativos
As palavras não apresentam um sentido único. Dependendo da forma como são utilizadas ou da situação em que são empregadas, podem assumir diferentes sentidos. Além disso, toda palavra é uma resposta a outra palavra; e, no diálogo entre as palavras e os textos, as palavras ainda podem ganhar novos sentidos.

A literatura desenvolve no ser humano a capacidade de leitura, inferência, raciocínio e cognição, contribuindo para a formação do pensamento crítico e para a compreensão de diversos conteúdos.
Ela se configura como uma das manifestações artísticas, estabelecendo um diálogo com o seu tempo, o contexto de produção, o passado e o futuro. Cada autor recebe influências da sua época e do seu ambiente — familiar, cultural, social ou político —, o que leva à expressão de uma determinada ideologia em suas obras. Desse modo, o escritor exerce uma função social clara.
Uma das missões da educação formal é preparar o indivíduo para o exercício da cidadania e da autonomia. Ser autônomo implica autoconhecimento, visão crítica da realidade e ação no mundo por meio de escolhas conscientes. A isso se acrescenta o potencial catártico do texto literário, que, por meio da descarga emocional, ilumina, purifica e gera identificações capazes de transformar o comportamento do leitor. Como escreve Antoine Compagnon, professor francês, em Literatura para quê?, a literatura nos sussurra: “‘Torne-se quem você é’”, convidando-nos a buscar nossa identidade por meio da leitura, seja em prosa ou poesia.
Segundo o mesmo autor, “[…] o romance moderno não ilustra um sistema, mas inventa uma reflexão indissociável da ficção, visando menos enunciar verdades que introduzir em nossas certezas a dúvida, a ambiguidade e a interrogação” (COMPAGNON, 2009). Assim, é preciso refletir antes de aceitar qualquer informação, opinião ou fato como verdade absoluta. A autonomia se constrói pelo exercício do pensamento, pela leitura de romances e poesia, e pelo conhecimento da vida em diferentes períodos históricos. Olhar para o passado nos leva a refletir sobre o presente e sobre nossa identidade, ajudando-nos a nos tornarmos sujeitos.
Conhecer os clássicos literários é um caminho para essa constituição como sujeito, já que se diz que a “boa literatura” é atemporal. Além do prazer estético, leitor e escritor reconstroem a realidade em um diálogo profundo que atravessa épocas e culturas. O poeta norte-americano Ezra Pound definiu a “grande” literatura como linguagem carregada de significado no mais alto grau. Já o italiano Italo Calvino afirma que um clássico é uma obra que nunca esgota o que tem a dizer.
O crítico brasileiro Antonio Candido complementa que, além de instrumento de educação e formação, a literatura é uma manifestação universal da necessidade humana de narrar — presente do analfabeto ao erudito. Em outras palavras: não há ser humano que viva sem contar ou ouvir histórias.
A arte da palavra e seu estudo
A literatura tem como matéria-prima a linguagem, materializada na letra e na palavra. O artista literário explora essa palavra em toda a sua plenitude, manipulando seus sentidos, sons, formas e combinações — em suma, todo o seu potencial de significação. É por esse trabalho com o material verbal que a literatura é designada como a “arte da palavra”. Nesse processo, o leitor exerce um papel fundamental no “pacto” ou “jogo” que se estabelece com o autor. Ao se envolver com uma obra, ele reconstitui os sentidos do texto, refazendo, em certa medida, o caminho do criador e mobilizando suas próprias experiências para a compreensão e o prazer da leitura.
O campo de estudo da literatura são os textos literários produzidos em determinado país ou período. Esses textos, embora reflitam a realidade, não têm o compromisso de reproduzi-la fielmente. Como uma transfiguração do real, a literatura cria um universo à parte, que expressa a visão e o julgamento de seus autores, despertando a reflexão no leitor.
O estudo da literatura, que engloba tanto as obras quanto a história dessa arte, deve partir de conceitos, considerações e princípios estéticos fundamentais. Seja na prosa ou no verso, ele envolve a análise da forma textual, de seus significados e de seu diálogo com o tempo, com outros textos, ideologias e manifestações artísticas.
Assim como em outras áreas do saber, a literatura também possui parâmetros estabelecidos para sua investigação. Para isso, é imprescindível o domínio de conceitos como conotação e denotação, intertextualidade e gêneros literários, entre outros que serão abordados ao longo dos módulos. Estratégias como a leitura e a comparação entre textos, obras de arte e suas recriações; a articulação de diálogos entre literatura e outras expressões artísticas (visuais, cênicas, audiovisuais); a relação dos textos com seus contextos de produção e recepção; e a compreensão de signos e significados serão utilizadas durante essa jornada de aprendizado.
Denotação e Conotação
As palavras, em seu potencial polissêmico (de múltiplos significados), estão sujeitas a transformações devido ao uso constante. Essas mudanças decorrem tanto das inovações e dinâmicas do grupo social quanto da subjetividade e percepção individual de cada falante. Nesse contexto, o léxico funciona como um repertório de significados ao qual recorremos continuamente.

Identificar se um texto opera de modo denotativo e/ou conotativo é essencial para evitar uma leitura ingênua ou superficial.
A denotação revela-se no uso comum e direto da linguagem, empregando o significado básico e objetivo das palavras, geralmente sem apelo à criatividade figurada. A conotação, por sua vez, envolve um emprego singular da linguagem, atribuindo às palavras significados que ultrapassam o sentido literal, dialogando com a simbologia e explorando a expressividade criativa.
O primeiro recurso (denotação) é utilizado quando se busca uma comunicação objetiva e clara, minimizando ambiguidades — como em textos informativos, enciclopédias, notícias, bulas de remédios ou leis. O segundo (conotação) é característico de situações em que se pretende explorar a forma, a mensagem, os duplos sentidos ou os efeitos estilísticos — como em poemas, charges, propagandas e, de modo geral, em textos de natureza literária.
Embora sejam conceitos distintos, denotação e conotação coexistem e muitas vezes se entrelaçam. Para compreender essa dinâmica, é útil recorrer a outros dois conceitos: o de texto figurativo e o de texto temático.
Denotação
- Palavra com significação restrita.
- Palavra com sentido comum, aquele encontrado no dicionário.
- Palavra utilizada de modo objetivo.
- Linguagem exata, precisa.
Conotação
- Palavra com significação ampla, dada pelo contexto.
- Palavra com sentidos carregados de valores afetivos, ideológicos ou sociais.
- Palavra utilizada de modo criativo, artístico.
- Linguagem expressiva, rica em sentidos.
Texto Figurativo e Texto Temático
O texto figurativo está diretamente associado à linguagem conotativa, pois é constituído por elementos de natureza concreta que funcionam como símbolos ou representações. Os símbolos presentes nessa tessitura conduzem o leitor a ideias abstratas, às quais denominamos temas. Em contrapartida, o texto temático é aquele que aborda os assuntos de forma objetiva e direta, sem valer-se de figuras para explorá-los, operando prioritariamente com elementos de natureza abstrata.
Mas o que seriam elementos concretos? Trata-se de tudo aquilo que, dentro de um contexto, atua como um componente que carrega em sua referência um determinado assunto. Por exemplo, no ditado popular “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, temos um texto figurativo: o enunciado se constrói inteiramente por meio de elementos concretos — água, mole, pedra, dura, bater, furar — organizados de maneira a conduzir-nos ao tema da persistência. Não se diz ali objetivamente “sejamos persistentes”; essa ideia, esse tema, revela-se por dentro dos elementos concretos e simbólicos. Outro exemplo pode ser uma narrativa em que o narrador relata que a personagem deu um grito ao abrir a porta do quarto e ver um sapo na cama; esse “grito” é um elemento concreto e figurativo, pois, naquele contexto, remete a um tema como o medo, o susto ou a histeria.
Por sua vez, os elementos abstratos funcionam no texto para conceituar, apresentar fatos ou noções de modo mais explícito do que os elementos concretos. Por exemplo, em “Conhecimento: s.m. 1. Ato de conhecer algo pela razão, pela experiência ou pela informação recebida”, os termos empregados estão conceituando a palavra “conhecimento” de maneira direta.
Ter domínio desses conceitos e buscar identificá-los nos textos confere, sem dúvida, ao leitor uma maturidade maior para a compreensão e a interpretação. Sabe-se, por exemplo, que diante de um texto predominantemente figurativo, a postura do leitor tende a ser mais investigativa, no sentido de captar, por trás das figuras, o conteúdo que elas evocam. Para observar isso na prática, veja o poema musicado da escritora, compositora e produtora cultural Mel Duarte:
O texto conotativo na obra de Mel Duarte se configura pela atribuição de novos sentidos a palavras do domínio físico para expressar dimensões sociais e subjetivas, transformando o poema em um texto figurativo. Ao utilizar expressões como “regando a terra outrora batida” e “semeando essa terra verbo fértil”, a autora não se refere à agricultura literal, mas utiliza metáforas para representar a preservação da memória e o florescimento da resistência feminina através da linguagem. Essas figuras de linguagem deslocam o sentido denotativo dos termos para um plano simbólico, onde a “escrita” e a “fala” deixam de ser meros atos gramaticais e passam a ser ferramentas de construção de identidade e poder político.
A natureza figurativa do texto consolida-se ainda no uso de imagens como “alquimistas” e “filhas das batalhas”, que elevam a figura da mulher de um papel passivo para o de uma agente de transformação mística e histórica. A conotação atua aqui para conferir densidade emocional e ideológica ao discurso: o ato de “falar mais alto” ou “ocupar espaços” transcende a acústica ou a geografia, simbolizando a conquista de direitos e a ruptura com o silenciamento histórico. Assim, o poema constrói uma realidade figurada onde a palavra é um organismo vivo capaz de “perpetuar a existência”, provando que a conotação é o que permite à literatura comunicar verdades que vão além da descrição objetiva dos fatos.
Como se observa, palavras e expressões são empregadas no poema com um sentido novo, figurado, constituindo, assim, figuras de linguagem.
Figuras de Linguagem
As figuras de linguagem são recursos estilísticos que conferem aos textos um caráter de literariedade, em contraste com a literalidade predominante em textos informativos, jornalísticos e científicos. Os textos literários se destacam pelo uso intensivo dessas figuras nos planos sintático, morfológico, semântico e sonoro da língua. A linguagem convencional, centrada na função referencial, tem como objetivo principal transmitir informações, relatar fatos com objetividade ou instruir o leitor sobre questões sociais, políticas, econômicas ou científicas, utilizando as palavras predominantemente em seu sentido denotativo.
Por outro lado, a linguagem literária não necessariamente tem uma finalidade objetiva, o que lhe confere maior liberdade criativa para empregar palavras de maneira lúdica e polissêmica. Essa abertura, por sua vez, permite aos leitores construir múltiplas interpretações.
Para apreciar a riqueza dos textos literários, é fundamental reconhecer esses exercícios estéticos explorados pelos autores. É válido ressaltar que tais recursos não se restringem aos gêneros literários clássicos, como o romance, o conto e a crônica. A literariedade também é muito presente em textos que possuem uma intenção estética ou que se valem do uso criativo da linguagem, como ocorre frequentemente nos gêneros publicitários, que constantemente transcendem o uso denotativo e apostam justamente na polissemia do discurso.
Figura de linguagem é uma forma de expressão que consiste no emprego de palavras em sentido figurado, isto é, em um sentido diferente daquele em que convencionalmente são empregadas.
As figuras de linguagem são recursos comumente empregados para conferir maior expressividade ao conteúdo da mensagem. Utilizadas tanto na modalidade escrita quanto na oral, elas ampliam o significado de palavras, preenchem lacunas diante da ausência de termos precisos e geram sentidos inovadores.
