Quando se é criança, o mundo é apenas um grande parque de diversões. E são essas as primeiras lembranças que trago em mim.
Lembro que, ainda bem pequeno, gostava de sair correndo atrás de meus irmãos e primos maiores. Era uma corrida sem finalidade. Corria-se para repetir os gestos dos calangos que dividiam com a gente o espaço da aldeia.
Meus irmãos e eu andávamos sem paradeiro e sem destino. Íamos a todos os cantos que nos eram permitidos pelos adultos. O igarapé era nosso principal objetivo, mas também tínhamos as árvores, enormes mangueiras que cresciam por toda a aldeia. Os maiores subiam com destreza e depois me ajudavam a subir também. Passávamos horas ali, brincando de navegar nos galhos da velha árvore, comendo mangas com farinha de mandioca.
Depois, descíamos daquela parenta — é assim que tratamos a natureza — para procurar outras aventuras e brincadeiras. Arcos e flechas em punho, descia parte do igarapé à procura de peixes. Pés descalços, corpo nu, pintado apenas com motivos de clã, percorria grande distância numa solitária busca por alimento. É claro que isso não durava muito tempo, pois logo meus olhos avistavam frutas ao alcance das mãos.
Assim passava de uma atividade à outra sempre exercitando a minha curiosidade pueril e a minha destreza.
MUNDURUKU, Daniel. Antologia de contos indígenas de ensinamento. São Paulo, 2005.