Senhora minha, desde que vos vi,
lutei para ocultar esta paixão
que me tomou o coração;
mas não o posso mais e decidi
que saibam todos o meu grande amor,
a tristeza que tenho, a imensa dor
que sofro desde o dia em que vos vi.
Quando souberem que por vós sofri
tamanha pena, pesa-me, senhora,
que por vossa crueza padeci,
eu que sempre vos quis mais que ninguém,
e nunca me quisestes fazer bem,
nem ao menos saber o que eu sofri.
E quando eu vir, senhora, que o pesar
que me causais me vai levar a morte,
direi, chorando minha triste sorte:
“Senhor, por que me vão assim matar?”
E, vendo-me tão triste e sem prazer,
todos, senhora, irão compreender
que só de vós me vem este pesar.
Já que assim é, eu venho vós rogar
que queiras pelo menos consentir
que passe a minha vida a vos servir,
e que possa dizer em meu cantar
que está mulher, que em seu poder me tem,
sois vós, senhora minha, vós, meu bem;
graça maior não ousarei rogar.
Afonso Fernandes. Apud C. Berardinelli, Cantigas de trovadores medievais em português moderno. Rio de Janeiro: Simões, s.d.:l9