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Redução da Maioridade Penal

Cris Reckziegel (apresentador): Eu vou voltar a chamar a Márcia Acioli, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), que conversa com a gente pela Internet. Márcia, há quem defenda que o Estatuto da Criança e do Adolescente deva ser revisto. Você concorda com essa posição?

Márcia Acioli (assessora política do Inesc): Bem, a gente ainda não conhece o Estatuto na sua integralidade […] Ele nunca foi aplicado de uma maneira exemplar. Portanto, é muito precoce se falar em mudança. Agora, voltando para a questão da redução da idade penal, a nossa preocupação é a seguinte: nós estamos pensando em quê? É na violência? Se nós estamos pensando na violência, nós temos que ter pelo menos dois focos: violência e juventude; a prevenção da violência e, uma vez que ocorra a violência, o que é que vai se fazer. O que o Estatuto prevê? O Estatuto prevê uma medida socioeducativa, ou seja, investir intensamente num projeto pedagógico, em que o adolescente possa rever a sua relação com a sociedade e retornar para essa sociedade após cumprir uma medida, por exemplo, de internação, de um jeito mais interessante, de um jeito melhor. Ou seja, rever as motivações reais da violência. Então, o que é que essa celeuma em torno do ECA provoca? […] o que a gente consegue perceber desse barulho que se faz em torno do Estatuto da Criança e do Adolescente é uma intencionalidade de varredura. Vamos tirar essas pessoas e não vamos encarar um problema que é social. E quando a gente fala, por exemplo, que a sociedade precisa se sentir segura, os adolescentes fazem parte dessa sociedade; os adolescentes pobres, negros, das periferias também fazem parte dessa sociedade. E esses adolescentes também precisam não só se sentir seguros, como também ter condições para desenvolver todas as suas potencialidades artísticas, culturais, enfim, todas as suas possibilidades humanas. Então a gente tem esse problema, a gente tem uma perspectiva que tenta varrer esses adolescentes. Vamos tirar eles da vista da gente, vamos isolar, que a sociedade vai ser mais feliz. O que a gente vê é que não adianta esse excesso de encarceramento, porque a sociedade não tem melhorado. A sua essência violenta não está em foco. Não se discute as causas da violência, se discute apenas um sujeito, e é o sujeito adolescente, que, por incrível que pareça, é quem é mais vitimizado pela violência. […] a coisa é tão absurda, que esse sujeito que mais morre, que é assassinado, é o sujeito que, entre aspas, assusta a sociedade. […]

Cris Reckziegel: […] Bom, a Márcia discorda e diz que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda seria uma forma precoce, se fosse revisto. Você concorda, Flávia? Você acha que, em frente a esse momento que vivemos agora, alguns pontos do ECA poderiam ser rediscutidos?

Flávia Ferrer (procuradora de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro): Eu acho que o Estatuto trouxe um avanço […] muito grande ao tratamento que se dá à juventude e à infância de uma maneira geral, não só na área da infração à lei, mas também acho que, como atuante nesse sistema específico infracional, há situações que precisam ser revistas.

Cris Reckziegel: Por exemplo?

Flávia Ferrer: Vou dar um exemplo pra você. Hoje, o Estatuto determina que o juiz, na sentença, fixe simplesmente a medida que é estabelecida. Vou dar um exemplo: vamos imaginar que nós tenhamos um adolescente que tenha estuprado e matado três pessoas e nós tenhamos, também, um adolescente que tenha praticado um roubo com arma, mas sem violência. Só tenha usado a arma para ameaçar. Esses dois adolescentes estão respondendo ao processo. Ao final do processo, possivelmente, eles vão ter uma medida igual, que é a internação. O juiz só estabelece a medida, ele não estabelece quantidade de medida. O que significa que esses dois adolescentes, que praticaram atos de gravidade absolutamente distintas, vão ter uma sentença absolutamente igual, vão ser encaminhados para o mesmo instituto de internação. A Lei, o Estatuto diz também que, no máximo em seis meses, essa medida tem que ser reavaliada. […] Como é que o juiz vai reavaliar essa medida? Vem aí uma norma, […] que é da lei de execução do sistema socioeducativo […], que diz o seguinte: o juiz, na reavaliação, não pode levar em consideração nem a gravidade do ato infracional, nem os antecedentes do adolescente. O que significa que, seis meses depois, esses dois adolescentes, com gravidades de atos praticados absolutamente dispares, vão ser avaliados também da mesma maneira. Então, isso faz, isso gera uma sensação, nos próprios adolescentes, de injustiça, porque eles falam: “como é que pode um adolescente que praticou um ato com morte […] ser reavaliado e às vezes sair mais rápido do que um adolescente que praticou um ato muito menos grave?”. Porque a gente vê que, na prática, aquele que pratica um ato grave, normalmente, sabendo disso, tem um comportamento exemplar. E aí, muitas vezes, ele sai antes daquele que praticou o ato menos grave. […] Esse tratamento não diferenciado de situações absolutamente díspares tinha que ser reconsiderado.
[…]

Disponível em: <https://youtu.be/AuRyoAmTPp0>. Acesso em 17 ago. 2021. [Fragmento transcrito]

Observação: Na transcrição do debate sobre a maioridade penal, foram eliminados alguns traçõs da oralidade, como pausas, repetições e hesitações, para contribuir com a fluidez do texto.