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O debate sobre vacinas em redes sociais

A vacinação em massa no mundo inteiro é uma contribuição fundamental da pesquisa científica no dia a dia das sociedades. Ela é um dos mais poderosos recursos para o exercício da saúde pública, atuante na erradicação e no controle de diversas doenças e na proteção de populações inteiras. Embora seus resultados tenham sido extremamente exitosos, estudos mostram que tem havido um aumento da desconfiança em torno da vacinação na última década, fazendo com que um crescente número de pessoas deixe de vacinar a si mesma e a seus filhos. Nos Estados Unidos, o percentual de pais que expressam algum tipo de preocupação em relação às vacinas aumentou de 19% em 2000 para 50% em 2009. Já entre os médicos, 89% declararam, em uma survey de 2010, ter reportado ao menos um caso por mês de pais que se recusaram a vacinar seus filhos.

Essa decisão não apresenta apenas um risco pessoal, gerando consequências em larga escala, já que possibilita o reaparecimento de doenças já controladas. É o caso do sarampo, que tinha sido considerado controlado no ano 2000 nos Estados Unidos e em 2016 no Brasil. […]

No contexto brasileiro, campanhas públicas têm encontrado dificuldade crescente em atingir metas de cobertura vacinal, como no caso do HPV em 2014. Essa questão se agrava pela massiva proliferação de notícias falsas, como na epidemia de febre amarela, em 2017 e 2018. Nesse cenário, enfermidades já controladas têm retornado em níveis alarmantes, como o surto de sarampo em 2018. Ainda que possa haver múltiplos fatores determinantes para esses números, como a falta de acesso aos serviços de saúde e – também – o medo ou ceticismo em relação às vacinas, é fundamental compreender o papel da informação sobre saúde nesse quadro, mais especificamente em uma mídia que vem adquirindo crescente relevância como meio de informações sobre ciência: a Internet.

Diante desse cenário, estudos têm apontado que a expansão do acesso às comunicações digitais transformou a Internet em uma das mais relevantes fontes de informação em saúde para a população. Na ambiência digital, parte da autoridade de profissionais de saúde é paulatinamente transferida para os pacientes que assumem a responsabilidade de se informar por conta própria. O “paciente-expert” seria mais do que meramente um cidadão bem informado, mas um consumidor especial de conteúdo de saúde, que se compreende como “entendido no assunto” e pode tornar-se resistente a orientações profissionais. […]

Não obstante o aumento do acesso à informação tenha trazido benefícios, também constitui um terreno fértil à dispersão de informações falsas e à tomada de posição radicalizada. Uma notícia falsa, ou fake news, pode ser entendida como um boato ou informação intencionalmente enganosa, com o propósito deliberado de gerar desinformação e prejudicar pessoas, grupos sociais, organizações ou mesmo países. Tais conteúdos não raramente apelam a manchetes, textos e imagens sensacionalistas, que retêm a atenção e se espalham rapidamente pela rede. […]

De tal modo, as fake news consistem em um importante problema contemporâneo não apenas do ponto de vista social e político, mas também para a saúde pública. No caso das vacinas, ainda que a preocupação em torno da segurança remonte a outros contextos históricos, o advento das mídias sociais amplificou esse fenômeno, permitindo a disseminação do que a UNICEF chamou de uma “infecção real de desinformação”. A Internet se torna um campo privilegiado para a amplificação do discurso antivacina, caracterizado por uma série de objeções baseadas na suposta correlação entre preparações vacinais e males de causa pouco esclarecida; minimização da gravidade das doenças infecciosas; insinuações sobre a presença de compostos mercuriais; defesa das liberdades civis em vista do caráter compulsório da vacinação; e apelo à resistência contra as lucrativas corporações farmacêuticas.

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MASSARANI, Luisa. O debate sobre vacinas em redes sociais: uma análise exploratória dos links com maior engajamento. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 36, n. 2, ago. 2020. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/csp/a/wg8Tn5R77L5v7YKJGPNcRYk/?lang=pt>. Acesso em 13 nov. 2021. [Fragmento]

Survey: tipo de pesquisa que utiliza a investigação quantitativa, coletando dados e opiniões de grupos de pessoas.