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Mais self, menos selfie

A geração que nasceu nos anos 1980 talvez seja a última que sabe como é ter momentos de verdadeira solidão

Nos Estados Unidos existe uma expressão que não tem correspondente em português: o me time. Temos aqui o tal do “tempo para mim”, mas não acho que seja a tradução correta. Esse “tempo do eu” (em tradução mais do que livre) não tem tanto a ver com as horas do dia que sobram para fazer coisas pes­soais (ler aquele livro que estava parado no criado-mudo ou fazer o tratamento estético de que provavelmente você não precisa), mas sim com as horas do dia em que ficamos a sós conosco. Um tempo para curtir a solidão.

Hoje temos muito pouco “tempo do eu”. O mundo digital e suas demandas sociais fazem que nunca estejamos sozinhos. A lógica das redes sociais de quantificar nosso sucesso através de likes e RTs nos faz perder a noção de quem realmente somos. Vivemos em função daquilo que outros atribuem a nós. Se posto uma selfie no Instagram e recebo dez likes, isso constrói meu caráter e minha persona. Se ninguém curte o que posto, acho que tenho algum problema, que minha vida não é tão interessante ou que meus amigos não ligam para mim. A construção do que sou é muito mais coletiva do que pessoal.

A geração que nasceu nos anos 1980 talvez seja a última que sabe como é ter momentos de verdadeira solidão. Aqueles em que é possível decidirmos sozinhos o que achamos de nós mesmos, que são tão importantes e que tanta gente busca hoje em dia. O famoso “tempo do eu”.

Será que antes da internet a vida era melhor porque tínhamos mais “tempo do eu”? Não! Nem melhor, nem pior, ela simplesmente era. Mas era num ritmo bem mais lento, menos exigente e menos frenético. As redes sociais nos exigem, mas é extremamente interessante e encantador ter acesso a toda a informação do mundo, à cultura que corre livre pelas redes, ao conhecimento, consumo, relações.

A internet nos deu o mundo e ao mesmo tempo nos tirou do nosso mundinho próprio. Ele era muito mais restrito, verdade, mas nos permitia ter momentos solitários em que podíamos nos dedicar mais ao nosso self do que à selfie perfeita.

A vida lá fora é maravilhosa, mas tirar um tempo para ficar só de vez em quando pode ser melhor ainda. Tente! 🙂

Bia Granja é fundadora e curadora do youPIX e cocuradora da Campus Party Brasil. Seu trabalho busca entender como os jovens brasileiros usam a rede para se expressar e criar movimentos culturais.

GRANJA, Bia. Revista Galileu. Rio de Janeiro: Editora Globo. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/02/mais-self-menos-selfie.html>. Acesso em: 22 ago. 2021.