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Direitos Humanos: do papel para a prática escolar

As primeiras declarações dos Direitos Humanos datam do século 18 e, desde então, assistimos, em nível global, ao avanço no reconhecimento dos valores básicos para a vida e a dignidade humanas. Como, também, ao aprimoramento dos instrumentos legais para desenvolver sociedades justas, igualitárias e democráticas. No Brasil, a Constituição de 1988 é considerada um documento muito adiantado nessa questão. Ela estabelece, por exemplo, que são objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Porém, entre o que está no papel e a realidade há uma grande distância. É verdade que avançamos na consolidação do Estado democrático nos últimos 30 anos. E que hoje podemos discutir questões como os mortos e desaparecidos na época do regime militar nas Comissões da Verdade, nacional e regionais. Ao mesmo tempo, registramos mais de 50 mil homicídios por ano, números indecentes de violência doméstica, violência policial, estupros, crimes homofóbicos, racismo, ações que representam um retrocesso na busca da liberdade e respeito às diferenças individuais, grupais, de coletivos. Sem falar em cadeias superlotadas, prostituição infantil, episódios inomináveis como assassinatos de moradores de rua e uma imensa lista de horrores, conhecida dos cidadãos minimamente informados.

Então, o que está faltando para o respeito aos Direitos Humanos ser, de fato, uma realidade no Brasil? Mais uma vez, não podemos nos queixar dos esforços na área política e jurídica. Além da Constituição de 1988, há normas, leis e programas que nos fizeram andar em direção à efetivação dos direitos humanos e da educação em direitos humanos no País, como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), a Lei Maria da Penha, os Estatutos do Idoso e o da Criança e do Adolescente, Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em suas três versões, o Estatuto da Igualdade Racial e, mais recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em junho deste ano.

O PNE prevê 20 metas para a educação nos próximos 10 anos, entre elas a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para investimentos na área, a erradicação do analfabetismo, a alfabetização de todas as crianças até o final do terceiro ano do ensino fundamental, a universalização da educação infantil, de ensino fundamental e médio, a ampliação da educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, o aumento da oferta de vagas no ensino superior, a elevação da escolaridade média da população de 18 a 29 anos para 12 anos de estudo, de forma também a igualar a escolaridade média entre negros e não negros, a universalização do acesso à educação básica para a população de 4 a 17 anos com necessidades especiais, a valorização dos profissionais do setor.

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Mas é bom ressaltar que há alguns pontos que ficaram aquém do esperado, depois da inevitável negociação no Congresso Nacional, que é parte do processo de transformação em lei. O 2º artigo do texto base do PNE, por exemplo, foi um dos itens que geraram polêmica. A proposta inicial indicava que o ensino deveria superar as desigualdades em quatro eixos: racial, regional, de gênero e de orientação sexual. Mas foi mantida a colocação “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”, que é uma forma mais abrangente.

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Entendemos que, no geral, o PNE mantém o foco nos direitos humanos, seguindo os preceitos do PNEDH, publicado em 2006. Este considera que a educação em direitos humanos é um processo sistemático e multidimensional, que articula várias dimensões, como o aprendizado de direitos humanos no contexto histórico, a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade, o uso de linguagens e materiais didáticos contextualizados, entre outros.

Mas esperamos algo além. O ideal é que, mais do que acolher grupos socialmente excluídos, receber crianças e jovens com diferenças de credo, etnia, orientação sexual, se assegure nos espaços escolares condições de reconhecimento e manifestação dessas diferenças. Que as escolas, além disso, formem pessoas capazes de incorporar e disseminar o conceito dos direitos humanos. Que este esteja presente no aprendizado cotidiano, que norteie a formação dos professores e a política a ser desenvolvida e mantida nas escolas públicas e privadas – nas salas de aula e também em atividades que estimulem a colaboração, solidariedade, companheirismo e a cidadania.

Torna-se urgente formar pessoas conhecedoras de seus direitos e deveres e da importância máxima de se respeitar a dignidade humana. Por isso, a escola precisa cumprir com seu compromisso, assim como criar e inserir a disciplina ou o conteúdo de direitos humanos na grade curricular.

O PNE enfatiza a busca de resultados medidos em sistemas de avaliação, o que é bom, mas não mede a educação em direitos humanos. Os indicadores desconsideram valores e comportamentos. Números avaliam mais o ensino que a educação. Quando falamos em direitos humanos, estamos falando em educação libertadora e emancipatória. Educação compreendida como um direito humano em si mesmo e um meio fundamental para o acesso a outros direitos. Educação para pôr fim à discriminação, reduzir a violência, promover o bem-estar, afirmar e desenvolver a cidadania plena e os valores democráticos.

Mazé Favarão é líder do PT na Câmara de Vereadores de Osasco, ex-secretária de Educação, mestre em Ciências da Comunicação pela Fundação Cásper Líbero, licenciada em Português e Inglês pela USP (Universidade Estadual de São Paulo) e é também diretora licenciada da FITO (Fundação e Instituto Tecnológico de Osasco).

FAVARÃO, Mazé. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/direitos-humanos-do-papel-para-a-pratica-escolar/>. Acesso em: 25 de nov. 2021. [Fragmento adaptado]