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A Jade

A Jade merece uma explicação, porque a chatice dela é eterna. A Jade, como a minha tia Ucha costuma dizer, é um capítulo à parte. Ela é magra e bem baixinha. Tem cara de ratinho assustado, tipo aqueles personagens que têm uma única fala no filme, aparecem na cena correndo de um lado para o outro, falam alguma coisa sem muito sentido e depois somem. Talvez ela saiba disso. Muito provavelmente percebeu a semelhança entre ela e o ratinho e, pra compensar, resolveu aparecer de verdade. A Jade é muito inteligente. Consegue ser a menina mais barulhenta da classe e tirar as melhores notas em tudo, sempre. Ninguém entende, mas eu sei que é porque ela é megaesperta, arrogante e eterna. Ela não tem problemas com ninguém em especial, mas vive um caso de amor e ódio com tudo e todos ao mesmo tempo. Acho que até com ela mesma, ou pelo menos é o que a minha mãe diz. Minha mãe não conhece a Jade direito e o pouco que sabe da garota é pelas coisas que eu falo. E eu não falo muito, especialmente sobre a minha vida na escola e a Jade. É que a minha mãe tem a mania de querer saber tudo e tudo vira uma conversa. É como se tocasse uma trombeta dessas de filmes antigos, anunciando que o príncipe regente vai chegar. Tutururururu, agora é hora de conversar. E tudo vira a tal da conversa. Sobre coisas esquisitas e adultas, que eu não tenho a menor vontade de falar ou saber. A Jade virou conversa. Mesmo sem eu dizer nada, ela soube por uma outra mãe da escola o episódio do lanche. Minha mãe disse que ela era carente, devia ter pouca atenção em casa. Problemas na família. Para a minha mãe, todo mundo tem problemas na família. Mas vou deixar ela de lado, porque a minha mãe também merece um capítulo à parte. Voltando para a Jade: além de ser baixinha, ratinha de voz assustada, barulhenta e boa aluna ao mesmo tempo, ela usa a unha pinta da e comprida e sempre fala umas palavras difíceis que ninguém entende. Fala não, grita. “Eterno”, eu aprendi com a Jade. “Bacanosa ‘ também, no dia em que ela me disse: “Sabe, Mia, apesar dessa sua cara supernormal e totalmente sem graça, tenho certeza que um dia você ainda vai mostrar para o mundo que é uma garota bacanosa”.

REIS, Keka. O dia em que a minha vida mudou por causa de um chocolate comprado nas ilhas Maldivas. São Paulo: Seguinte, 2017. [Fragmento]

Keka Reis
Keka Reis

Estudou rádio e televisão na Unesp. É autora de O dia em que a minha vida mudou por causa de um chocolate comprado nas ilhas Maldivas (2017) e O dia em que a minha vida mudou por causa de um pneu furado em Santa Rita do Passa Quatro (2018).